Este estudo propõe uma análise causal contrafactual do colapso do Banco Master, utilizando Diagramas Acíclicos Direcionados (DAGs), ponderação por escores de propensão (IPW) e simulações bayesianas de 1.000 mundos possíveis. Busquei mapear a arquitetura estrutural do risco, identificar padrões críticos de falência, medir impactos marginais de variáveis e avaliar a robustez da trajetória do Banco Master frente a diferentes premissas causais. Concluí que, embora a instituição estivesse formalmente em conformidade com as exigências prudenciais, suas decisões estratégicas e sua arquitetura estrutural fragilizada tornaram o colapso o desfecho mais provável em mais de 85% dos universos simulados.
Author

Henrique Costa

Published

April 20, 2025


Introdução

A falência de uma instituição financeira não é, em geral, o produto de um único erro ou de uma circunstância isolada. Trata-se, quase sempre, do acúmulo dinâmico de vulnerabilidades, decisões arriscadas e pressões contextuais que se inter-relacionam ao longo do tempo. No caso do Banco Master, a liquidação extrajudicial anunciada em 2024 não pode ser explicada por um fator único. Exige a consideração de interações complexas, dependências estruturais e fragilidades emergentes.

Mais do que reconstituir a história factual do colapso, este estudo propõe um exercício contrafactual radical: simular mil universos possíveis, nos quais as trajetórias da instituição se desdobram sob diferentes combinações de decisões, intervenções e contextos. Quantos desses universos levariam inevitavelmente ao colapso? Quantos indicariam margens de sobrevivência?

Utilizei uma arquitetura metodológica baseada em inferência causal (Pearl, 2009; Rubin, 1974), combinada com simulações bayesianas de múltiplos mundos (Everett, 1957), para mapear a propensão estrutural ao colapso. Diagramas Acíclicos Direcionados (DAGs) foram utilizados para representar as relações causais fundamentais. Ponderações por escores de propensão (IPW) ajustaram os efeitos marginais de intervenções plausíveis.

A proposta não é buscar culpados, mas compreender padrões: por que sistemas supostamente em conformidade falham. E como escolhas estratégicas — mesmo feitas dentro das margens regulatórias — podem construir arquiteturas de fragilidade latente.

Referencial Teórico

A construção deste modelo causal está fundamentada em três tradições teóricas interligadas: a inferência causal moderna, a filosofia dos mundos possíveis e a teoria do risco sistêmico em finanças. Além disso, incorporei ferramentas estatísticas como o uso de escores de propensão e simulação Monte Carlo, combinando técnicas empíricas e epistêmicas para avaliação de cenários contrafactuais.

Inferência Causal: De Resultados Potenciais à Arquitetura Gráfica

A inferência causal moderna é o ponto de partida deste estudo. Fundamentada nas obras de Donald Rubin (1974) e Judea Pearl (2009), ela fornece instrumentos para formalizar a pergunta central que guia este trabalho: “O que teria acontecido se…”.

Rubin propõe que causalidade é definida como a diferença entre dois estados potenciais de um mesmo objeto: o mundo em que recebe o tratamento \((Y(1))\) e o mundo em que não recebe \((Y(0))\). O problema fundamental da inferência causal — a impossibilidade de observar simultaneamente ambos os estados — é resolvido via simulações, comparações e reponderações.

Pearl expande esse arcabouço ao construir o conceito de Diagramas Acíclicos Direcionados (DAGs). Um DAG é uma representação gráfica onde variáveis são conectadas por setas orientadas, explicitando não apenas correlações, mas relações causais dirigidas.
A operação \(do(X)\) introduz a capacidade de modelar intervenções: simular artificialmente o que aconteceria ao alterar \(X\) enquanto isolamos as demais relações.

Este estudo adota a perspectiva de Pearl: eventos no colapso do Banco Master são organizados como nós em um DAG, e intervenções hipotéticas (ex: auditoria externa, ausência de precatórios) são modeladas para observar trajetórias alternativas.

Contudo, como veremos a seguir, a causalidade aqui não é tratada como um dado absoluto — mas como uma construção epistemológica, sujeita a limites e interpretações.

Causalidade como Construção: a crítica epistemológica

Para além do rigor matemático de Rubin e Pearl, este estudo reconhece a dimensão crítica da causalidade apontada por autores como Nancy Cartwright (2007) e Ian Hacking (1983).

Cartwright sustenta que modelos causais não descrevem leis naturais universais, mas estruturas locais e específicas, dependentes do contexto e das escolhas do modelador. Ela argumenta que “leis não voam sozinhas” — ou seja, o sucesso de uma previsão causal depende da existência de mecanismos que sustentem aquela relação no ambiente modelado.

Hacking reforça essa posição ao afirmar que a causalidade é uma forma de intervenção, não de observação pura. Não “descobrimos” causas como arqueólogos — intervimos, testamos, reconfiguramos o mundo para revelar padrões.

No contexto do Banco Master, essa visão crítica implica que:

  • O DAG proposto não é uma fotografia fiel da realidade,
  • Ele é uma estrutura plausível, construída para organizar relações prováveis de causalidade a partir dos dados disponíveis,
  • As inferências realizadas são condicionadas à estrutura modelada, e não à natureza do sistema em si.

Essa postura epistemológica é essencial para interpretar corretamente os resultados simulados: eles não são verdades absolutas, mas narrativas probabilísticas ancoradas em escolhas teóricas conscientes.

Mundos Possíveis: A Estrutura Contrafactual

Inspirado na interpretação de muitos mundos de Hugh Everett III (1957), este estudo adota a ideia de que cada combinação alternativa de eventos gera um universo possível distinto. Não há apenas um futuro — há uma árvore imensa de trajetórias potenciais, divergindo a cada decisão ou circunstância.

Essa perspectiva é operacionalizada através de:

  • Simulações bayesianas de múltiplos mundos,
  • Sorteio aleatório de pesos causais para cada universo,
  • Exploração sistemática das condições sob as quais o colapso ocorre ou é evitado.

A noção de mundos possíveis permite ultrapassar a limitação dos modelos deterministas tradicionais: não perguntamos apenas “o que aconteceu?”, mas “o que poderia ter acontecido sob outras combinações causais?”.

No Banco Master, isso significa mapear não apenas a trajetória real que levou à liquidação, mas também:

  • Universos em que auditorias externas foram implementadas a tempo;
  • Universos em que a governança foi reforçada;
  • Universos em que aquisições de precatórios não ocorreram.

Cada simulação representa um observável alternativo — uma realização de uma trajetória possível.

Colapsabilidade, Fragilidade Estrutural e Instabilidade Endógena

A colapsabilidade causal — conceito central deste estudo — refere-se à frequência com que o sistema modelado, a partir de suas condições estruturais, converge para o colapso.

Essa métrica é inspirada na tradição de:

  • Hyman Minsky (2008): para quem a estabilidade econômica gera complacência, incentivando a alavancagem excessiva até o ponto de ruptura.
  • Nassim Taleb (2012): que introduz a noção de antifragilidade como capacidade de aprender e crescer com a volatilidade — e contrapõe sistemas frágeis, que colapsam facilmente.

O Banco Master, segundo o modelo proposto, não colapsou porque enfrentou um choque externo atípico. Ele colapsou porque sua estrutura era, em si, propensa ao colapso: governança centralizada, exposição elevada a riscos judiciais, funding instável e vulnerabilidade reputacional.

A simulação de mil mundos permite quantificar essa propensão: mesmo variando condições iniciais e pesos causais, a grande maioria das trajetórias (85,7%) resulta em falência.

A fragilidade, aqui, é uma propriedade emergente da rede de relações causais — não o produto de um único evento.

Crítica à Modelagem Tradicional: Risco não é Número, é Estrutura

A modelagem tradicional de riscos financeiros, baseada em frameworks como o Value at Risk (VaR), stress tests paramétricos e modelos de regressão linear, repousa sobre uma série de suposições que, embora convenientes matematicamente, tornam-se perigosas epistemologicamente.

Esses modelos pressupõem:

  • Estabilidade estrutural: o sistema financeiro é tratado como essencialmente estático, reagindo apenas a choques externos.
  • Normalidade estatística: distribuições de perdas seguem padrões gaussianos, em que eventos extremos são raríssimos.
  • Linearidade causal: choques afetam o sistema de maneira proporcional e previsível.
  • Separabilidade dos riscos: riscos são somados ou compostos de maneira aditiva, sem efeitos de interação complexa.

No entanto, como argumentam Minsky (2008) e Taleb (2012), essas premissas não descrevem o comportamento real de sistemas financeiros.

O risco sistêmico emerge da própria estrutura relacional dos agentes, e não de choques isolados. O colapso não é um ponto fora da curva — é o resultado endógeno da arquitetura de fragilidade acumulada.

Além disso, como mostram Pearl (2009) e Cartwright (2007), causalidade não é agregação de variáveis:

  • Causalidade exige entender como variáveis se conectam,
  • quais intervenções alteram desfechos,
  • e quais trajetórias são possíveis sob combinações diferentes de eventos.

Os modelos tradicionais, ao ignorarem a arquitetura causal, tornam-se cegos para a progressão do risco estrutural.

Eles podem medir a volatilidade de uma variável financeira isolada — mas não enxergam a formação lenta e contínua de padrões de colapso que atravessam múltiplos domínios.

O novo paradigma adotado neste estudo

Em contraposição, este trabalho propõe um deslocamento de paradigma:

  • Do ponto ótimo para o espaço de possibilidades: Não busco prever um valor esperado de perda, mas explorar os múltiplos caminhos causais que podem emergir.
  • Da normalidade para a instabilidade estrutural: Assumo que sistemas financeiros são intrinsecamente propensos à instabilidade, como defende Minsky.
  • Da previsão estatística para a modelagem causal: Substituí projeções pontuais por simulações de múltiplos mundos, testando a robustez estrutural frente a variações paramétricas e relacionais.
  • Do risco como número para o risco como arquitetura: O risco não é uma variável — é a configuração causal do sistema como um todo.

Aplicação no caso Banco Master

Ao analisar o Banco Master sob esta lente, compreendi que:

  • O colapso não foi resultado de um “evento extremo” imprevisível.
  • Ele foi o desfecho natural da arquitetura causal construída ao longo do tempo: Governança frágil → Alavancagem judicial → Exposição reputacional → Funding agressivo → Reação regulatória tardia → Colapso.

Essas relações não são lineares nem aditivas — elas são interativas e acumulativas.

O modelo causal aqui proposto, ao explorar 1.000 mundos possíveis, reconhece o risco como uma propriedade emergente da estrutura relacional do sistema — e não como uma anomalia estatística.

Metodologia

O modelo aqui desenvolvido combina rigor formal e flexibilidade interpretativa para explorar a arquitetura estrutural de risco associada ao Banco Master.

A construção do DAG, o sorteio bayesiano de pesos causais, a ativação condicional de eventos e a aplicação de ponderações por escores de propensão permitiram simular não apenas uma trajetória histórica, mas um espaço inteiro de futuros possíveis.

Essa abordagem ultrapassa a lógica determinística tradicional dos modelos de risco, reconhecendo que, em sistemas complexos e instáveis, o colapso não é um desvio estatístico — é uma possibilidade latente, muitas vezes majoritária, nas redes causais que sustentam a instituição.

Ao adotar a filosofia de modelagem como intervenção (Hacking, 1983) e a crítica à causalidade rígida (Cartwright, 2007), garantimos que os mundos simulados sejam entendidos como cenários epistemológicos plausíveis, e não meras reproduções mecânicas da realidade.

Estrutura Geral do Modelo

O estudo desenvolve uma simulação analítica baseada em inferência causal gráfica e probabilidade bayesiana para modelar o colapso ou sobrevivência do Banco Master.

O procedimento baseia-se em:

  • Construção de um Diagrama Acíclico Direcionado (DAG) representando relações causais entre variáveis críticas;

  • Atribuição de pesos causais \(\theta_{ij}\) baseados em distribuições probabilísticas (priors) distintas;

  • Simulação de 1.000 mundos possíveis, cada qual uma realização independente dos pesos e eventos;

  • Aplicação de Ponderação por Escore de Propensão (IPW) para estimar efeitos marginais ajustados;

  • Cálculo de métricas estruturais de colapsabilidade e impacto marginal.

A arquitetura metodológica visa não apenas reproduzir o evento observado (colapso), mas explorar trajetórias contrafactuais plausíveis e medir a fragilidade estrutural do sistema.

Construção do DAG: Representação Causal Estruturada

A primeira etapa consistiu na modelagem explícita das relações causais mais relevantes associadas à trajetória do Banco Master.

O DAG proposto inclui nós representando:

  • Governança Frágil
  • Estrutura Societária Concentrada
  • Sinais de Fraude Contábil
  • Aquisição de Precatórios
  • Funding Agressivo (CDBs)
  • FIDC Não Transparente
  • Will Bank e Voiter Com Problemas
  • Ambiente Político-Institucional Permissivo
  • Intervenção Regulatória Tardia (Bacen atuou)
  • Colapso (Desfecho Final)

Cada variável \(X_j\) é modelada como uma função de seus pais causais \(\text{pa}(j)\):

\[ X_j = f\left( \sum_{i \in \text{pa}(j)} \theta_{ij} X_i + \varepsilon_j \right) \]

Onde:

  • \(\theta_{ij}\) são os pesos causais atribuídos às conexões entre variáveis;

  • \(\varepsilon_j \sim \mathcal{N}(0, \sigma^2)\) é o ruído aleatório (variações não modeladas);

  • \(f(\cdot)\) é uma função de ligação (ex: logística ou degrau), conforme a natureza de \(X_j\).

As direções seguem a lógica teórica, com: Bloqueio de backdoors: Controle de variáveis de confusão. Tratamento de colisores: “Colapso” age como um collider no grafo.

\[ f(x) = \begin{cases} \frac{1}{1 + e^{-x}} & \text{(Logística)} \\ \mathbb{I}(x > 0) & \text{(Degrau)} \end{cases} \]

Simulação Bayesiana de Múltiplos Mundos

A segunda etapa envolveu a geração de 1.000 mundos simulados.

Em cada mundo:

Em cada mundo simulado:

  1. Atribuição de pesos causais:
    A cada arco causal \(i \to j\) é associado um peso \(\theta_{ij}^{(s)}\) amostrado de uma distribuição pré-definida.

  2. Distribuições de priors testadas:

    • Beta-like (2,2):
      Peso médio centrado (cenário de conhecimento empírico);
    • Gaussiana truncada (\(\mu = 0.25\), \(\sigma = 0.15\)):
      Viés negativo, simulando omissão ou debilidade estrutural;
    • Uniforme truncada (0.1 a 0.9):
      Incerteza radical para teste de robustez.

A cada iteração:

  • Os pesos \(\theta_{ij}^{(s)}\) são sorteados conforme o prior escolhido;
  • As variáveis \(X_j\) são ativadas seguindo a topologia causal;
  • O desfecho de colapso \(Y\) é calculado pela função logística:

\[ \mathbb{P}(Y = 1) = \sigma\left( \sum_j \gamma_j X_j \right) \]

Onde \(\gamma_j\) são pesos finais específicos associados a variáveis terminalmente críticas.

O operador \(\sigma(z)\) é a função logística:

\[ \sigma(z) = \frac{1}{1 + e^{-z}} \]

Essa estrutura permite que o colapso não seja determinado por uma única variável, mas pela agregação ponderada de riscos ao longo da rede causal.

Ponderação por Escores de Propensão (IPW)

Para avaliar o impacto marginal de variáveis binárias críticas — como presença de auditoria externa ou ausência de precatórios — foi utilizada a técnica de Inverse Probability Weighting (IPW).

Procedimento:

  • Modelou-se a probabilidade de tratamento \(e(\mathbf{X}) = \mathbb{P}(D = 1|\mathbf{X})\) via regressão logística, onde \(D\) representa o tratamento/intervenção (ex: auditoria).

  • Cada mundo simulado recebeu um peso:

\[ w_i = \frac{D_i}{e(\mathbf{X}_i)} + \frac{1 - D_i}{1 - e(\mathbf{X}_i)} \]

  • Os efeitos marginais (ATT - Average Treatment Effect on the Treated) foram estimados reponderando as simulações pelo IPW, isolando assim o impacto causal das intervenções.

Nota técnica:

  • Não utilizamos matching de escores de propensão, para evitar perda de simulações e maximizar o aproveitamento dos mundos simulados.
  • IPW foi preferido pois permite ajustar todo o espaço de possibilidades simultaneamente.

Definição das Métricas de Avaliação

A metodologia extrai três métricas principais dos mundos simulados:

  • Colapsabilidade Causal:

\[ \text{Colapsabilidade} = \frac{1}{S} \sum_{s=1}^{S} 1[Y^{(s)} = 1] \]

Percentual de mundos onde ocorre o colapso, refletindo a propensão estrutural à falência.

  • Impacto Marginal (ATT) das Intervenções:

\[ \hat{T}_{ATT} = \frac{1}{n_t} \sum_{i \in D=1} w_i \left( Y_i - \hat{Y}^{(0)}_i \right) \]

Impacto de variáveis binárias na probabilidade de colapso.

  • Resiliência Estrutural:

Frequência de mundos onde, mesmo sob risco ativado, o banco sobreviveu — permitindo identificar trajetórias de sobrevivência estrutural.

Arquitetura Detalhada da DAG e das Relações Causais

O Diagrama Acíclico Direcionado (DAG) foi construído para representar, de maneira explícita e orientada, as principais relações causais que determinam a trajetória do Banco Master.

O DAG foi organizado em quatro blocos causais:

  1. Governança e Estrutura Institucional
    • Governança Frágil
    • Estrutura Societária Concentrada
    • Sinais de Fraude Contábil
  2. Decisões Estratégicas de Negócio
    • Aquisição de Precatórios
    • Funding Agressivo (emissão de CDBs)
    • FIDC Não Transparente
  3. Contexto Sistêmico e Externo
    • Ambiente Político-Institucional Permissivo
    • Will Bank e Voiter (riscos reputacionais)
  4. Resposta Reguladora
    • Intervenção Regulatória (Bacen atuou)

Estrutura dos caminhos causais no DAG:

  • Confounders:
    • “Ambiente Político-Institucional” afeta tanto “Governança Frágil” quanto “Bacen atuou” → necessidade de controle (via IPW).
  • Colliders:
    • “Colapso” é o collider final onde múltiplos caminhos convergem (governança, funding, reputação, intervenção).
  • Backdoors identificados:
    • Exemplo: “Ambiente Político” → “Bacen atuou” → “Colapso” → precisa ser bloqueado para isolar o efeito real de “Governança Frágil” sobre “Colapso”.
  • Intervenções hipotéticas simuladas:
    • Presença de auditoria externa;
    • Ausência de aquisição de precatórios;
    • Ação precoce do regulador.

Essas intervenções foram aplicadas via operador \(do(X)\), com seus impactos estimados no espaço contrafactual.

Lógica de Ativação das Variáveis no DAG

Cada nó \(X_j\) do DAG é ativado de acordo com a seguinte regra de decisão:

\[ X_j = \begin{cases} 1, & \text{se } \sum_{i \in pa(j)} \theta_{ij} X_i + \epsilon_j > \tau_j \\ 0, & \text{caso contrário} \end{cases} \]

Onde:

  • \(\theta_{ij}\) é o peso causal sorteado para o arco \(i \to j\),

  • \(\epsilon_j \sim \mathcal{N}(0, \sigma^2)\) é um ruído aleatório de média zero,

  • \(\tau_j\) é um limiar fixo específico para ativação da variável.

Funções de ativação utilizadas:

  • Para variáveis binárias simples (ex: “Governança Frágil”); função degrau.

  • Para desfechos contínuos intermediários (ex: “Propensão ao Colapso”); função logística.

Isso permite representar tanto eventos discretos (ativou ou não ativou) quanto gradientes de risco.

Testes de Sensibilidade das Simulações

Para garantir que as conclusões do modelo não fossem artefatos específicos das suposições iniciais, realizamos testes de sensibilidade:

  1. Variação das distribuições priors:
  • Rodamos as 1.000 simulações sob três tipos de distribuição de pesos:
    • Beta-like (cenário centrado)
    • Gaussiana truncada (viés negativo)
    • Uniforme truncada (incerteza máxima)
  1. Comparação das taxas de colapso:
  • As frequências de colapso foram similares entre as três distribuições (82% a 88%), demonstrando robustez estrutural.
  1. Robustez do impacto marginal (ATT):
  • Reestimamos os ATT sob cada prior distinta, e as ordens de importância das variáveis críticas se mantiveram consistentes.

Esses testes reforçam que o colapso do Banco Master é estruturalmente robusto à variabilidade paramétrica — uma característica típica de sistemas frágeis.

O Observador como Arquiteto dos Mundos Possíveis

Em consonância com a crítica epistemológica de Cartwright (2007) e Hacking (1983), este estudo reconhece que:

  • Toda estrutura causal é uma construção dependente do observador;
  • As escolhas de quais variáveis incluir, quais relações modelar, e quais priors utilizar são atos de modelagem ativa.

O observador:

  • Define o DAG e as distribuições priors,
  • Seleciona as intervenções contrafactuais a serem testadas,
  • Mas não manipula os resultados: uma vez definida a arquitetura, os mundos simulados evoluem autonomamente conforme suas regras causais.

Essa postura metodológica é essencial para interpretar os resultados simulados: eles são propriedades da estrutura modelada, não artefatos da vontade do analista.

Simulação Monte Carlo dos Mundos Possíveis

O processo de simulação utilizado neste estudo pode ser formalmente caracterizado como uma simulação Monte Carlo.

A técnica de Monte Carlo consiste em:

  • Amostrar repetidamente valores de variáveis aleatórias (neste caso, os pesos causais \(\theta_{ij}\),
  • Propagar esses valores através de uma estrutura funcional (o DAG causal),
  • Observar a distribuição empírica dos resultados (colapso ou sobrevivência) ao longo de múltiplas repetições independentes.

Especificamente neste estudo:

  • Foram realizadas 1.000 repetições independentes,
  • Em cada repetição, um conjunto novo de pesos causais foi sorteado conforme uma distribuição prior definida (Beta-like, Gaussiana truncada ou Uniforme truncada),
  • A evolução do sistema foi simulada seguindo a lógica condicional da DAG, ativando variáveis e propagando eventos,
  • O desfecho de colapso foi registrado em cada mundo.

Essa abordagem permitiu:

  • Estimar a frequência empírica de colapso sob diferentes suposições de estrutura causal,
  • Avaliar a robustez estrutural do sistema frente a variações aleatórias nos pesos,
  • Estimar efeitos causais médios (ATT) com base em universos simulados ponderados.

A utilização da metodologia Monte Carlo é particularmente adequada para contextos como este, onde:

  • A estrutura causal é complexa e interativa,
  • As distribuições paramétricas não podem ser assumidas rigidamente,
  • O espaço de possibilidades é vasto e não-linear.

O processo de simulação realizado neste estudo caracteriza-se como uma simulação Monte Carlo causal estruturada.

Formalmente, o procedimento é definido como:

(1) Sorteio dos Pesos Causais \((\theta)\)

Para cada mundo \(s \in \{1, 2, \ldots, S\}\), sorteamos pesos causais \(\theta_{ij}^{(s)}\) para cada arco causal \(i \to j\) no DAG, a partir de uma distribuição prior específica \(\mathcal{P}(\theta)\).

\[ \theta_{ij}^{(s)} \sim \mathcal{P}(\theta) \]

Onde:

  • \(\mathcal{P}(\theta)\) pode ser uma Beta-like, Gaussiana truncada ou Uniforme truncada, dependendo do cenário de simulação.

(2) Ativação das Variáveis Causais

Cada variável \(X_j^{(s)}\) em cada mundo \(s\) é ativada conforme:

\[ X_j^{(s)} = \begin{cases} 1, & \text{se } \sum_{i \in pa(j)} \theta_{ij}^{(s)} X_i^{(s)} + \epsilon_j^{(s)} > \tau_j \\ 0, & \text{caso contrário} \end{cases} \]

Onde:

  • \(pa(j)\) é o conjunto de pais causais de \(j\),

  • \(\epsilon_j^{(s)} \sim N(0, \sigma^2)\) é ruído aleatório específico do nó \(j\),

  • \(\tau_j\) é o limiar de ativação da variável \(j\).

Essa regra constrói a trajetória causal dentro de cada mundo simulado.

(3) Determinação do Desfecho: Propensão ao Colapso

O desfecho final “Colapso” \(Y^{(s)}\) é calculado como a ativação da propensão agregada:

\[ \mathbb{P}(Y^{(s)} = 1) = \sigma \left( \sum_j \gamma_j X_j^{(s)} \right) \]

Onde:

  • \(\gamma_j\) são pesos finais atribuídos a cada variável crítica de risco,

  • \(\sigma(z) = \frac{1}{1+e^{-z}}\) é a função logística padrão.

O colapso é então sorteado como uma variável Bernoulli:

\[ Y^{(s)} \sim \text{Bernoulli} \left( \mathbb{P}(Y^{(s)} = 1) \right) \]

(4) Expectativa Empírica: Estimadores de Interesse

Sobre os \(S\) mundos simulados, estimamos:

  • Taxa de Colapso:

\[ \hat{\mathbb{P}}(Y = 1) = \frac{1}{S} \sum_{s=1}^{S} 1 \left[ Y^{(s)} = 1 \right] \]

  • Impacto Marginal (ATT):

Utilizando pesos de propensão \(w_i\), o ATT estimado é:

\[ \hat{\tau}_{ATT} = \frac{1}{n_t} \sum_{i \in D=1} w_i \left( Y_i - \hat{Y}_i^{(0)} \right) \]


Onde:

  • \(D = 1\) indica mundos onde a intervenção foi aplicada,

  • \(\hat{Y}_i^{(0)}\) é o contrafactual estimado para a não-intervenção.

(5) Processo Iterativo de Monte Carlo

O ciclo completo acima é repetido \(S = 1.000\) vezes:

Para cada \(s = 1, ..., 1000 : \theta_{ij}^{(s)} \to X_j^{(s)} \to Y^{(s)} \to\) Registra resultados

Ao final, agregamos os resultados para inferir padrões de colapsabilidade, robustez estrutural e efeitos causais marginais.

Este arcabouço metodológico prepara o terreno para a análise dos resultados: o que emerge quando liberamos o Banco Master para evoluir, mil vezes, sob diferentes pesos, perturbações e condições iniciais?

É essa resposta que exploraremos a seguir.

Resultados e Discussão

A partir da metodologia delineada — baseada em inferência causal gráfica, simulações bayesianas e ponderação via escores de propensão — foi possível simular mil trajetórias alternativas para o Banco Master.

Cada mundo gerado representa uma possível realização da evolução institucional, condicionada pelas relações causais mapeadas no DAG e sujeita à variabilidade dos pesos causais sorteados.

O objetivo desta seção é interpretar os padrões emergentes dessas simulações, examinando:

  • A propensão estrutural ao colapso (colapsabilidade),
  • O comportamento sequencial das falências (curva acumulada),
  • A identificação de clusters causais predominantes,
  • A avaliação dos impactos marginais de intervenções simuladas (ATT),
  • A robustez das conclusões frente a diferentes suposições de distribuição causal.

Esses resultados serão analisados à luz dos referenciais teóricos discutidos, especialmente a noção de fragilidade endógena (Minsky), a teoria da antifragilidade (Taleb) e a estruturação epistemológica da causalidade (Pearl, Cartwright).

Colapsabilidade: A Propensão Estrutural ao Colapso

O primeiro indicador avaliado foi a colapsabilidade causal, definida como a frequência de mundos simulados em que o Banco Master evoluiu para o colapso.

Resultados agregados:


Distribuição.de.Priors Taxa.de.Colapso
Beta-like (2,2) 85,7%
Gaussiana truncada 88,4%
Uniforme truncada 82,1%


O valor médio foi de 85,4%.



A alta colapsabilidade, mesmo sob distribuições amplamente distintas de pesos causais, confirma a hipótese de que o sistema Master era estruturalmente frágil.

Seguindo a lógica de Minsky (2008), a fragilidade não resulta apenas de eventos externos, mas emerge da arquitetura relacional interna da instituição.

Adicionalmente, o resultado dialoga com a crítica de Taleb (2012): sistemas complexos que aparentam estabilidade superficial podem, na verdade, esconder padrões de falência latente, só perceptíveis por abordagens estruturais — como a simulação causal adotada aqui.



A distribuição das probabilidades de colapso obtidas em cada mundo simulado. A maior parte dos mundos tem probabilidade de colapso acima de 0,6 (ou seja, mais de 60% de chance).

Existe uma concentração forte nas regiões de alta probabilidade (entre 0,7 e 1,0). A estrutura causal do Banco Master empurrava a instituição para o colapso em quase todos os cenários. Não era preciso um choque extremo: bastava o funcionamento normal da arquitetura frágil para gerar o colapso.

Curva Acumulada de Colapsos ao Longo da Trajetória Causal

A sequência dos colapsos ao longo das ativações dos nós do DAG revelou que:

  • 40% dos colapsos ocorreram até o terceiro passo (envolvendo governança e funding),
  • 80% dos colapsos já haviam ocorrido até a sexta ativação.



Essa dinâmica evidencia que o sistema Master carregava vulnerabilidades iniciais críticas.

Desde as primeiras ativações de variáveis como Governança Frágil, Aquisição de Precatórios e Funding Agressivo, o risco de colapso já se elevava drasticamente.

Conforme o modelo de instabilidade endógena de Minsky, pequenas perturbações precoces em sistemas financeiros frágeis têm efeito amplificado ao longo do tempo, gerando trajetórias autocatalíticas de deterioração.



A cada etapa de ativação do DAG, a proporção de mundos simulados que ainda não colapsaram. Logo nas primeiras etapas, a proporção de mundos sobreviventes cai rapidamente. Após a terceira etapa, mais da metade dos mundos já haviam colapsado. A partir da sexta etapa, a queda desacelera — sobrando poucos mundos resistentes.

O Banco Master era altamente vulnerável logo nas fases iniciais de sua evolução causal. Mesmo sem choques extremos, o colapso era um processo estrutural quase inevitável. Apenas uma pequena parcela dos mundos simulados resistiu até as últimas etapas.

Clusters Principais de Causas de Colapso

A clusterização das trajetórias de falência permitiu identificar três grupos dominantes:


Cluster.de.Colapso Descrição Frequência....
Governança-Fragilidade Falhas internas de controle e integridade 37%
Judicial-Precatórios Alavancagem excessiva via precatórios 33%
Estrutura-Reputacional Quebra de confiança e funding instável 25%



Para cada cluster de colapso, o tempo médio de sobrevivência dos mundos simulados antes do colapso. Mundos dominados pelo cluster Governança-Fragilidade tendem a colapsar mais cedo (baixas medianas de sobrevivência). Já mundos do cluster Estrutura-Reputacional têm sobrevivência um pouco mais longa antes de falir.

A fragilidade de governança impactava o sistema de forma mais precoce. Problemas reputacionais (como Will Bank e FIDCs) demoravam mais para levar ao colapso.



A distribuição de probabilidades de colapso nos mundos simulados, separada por cluster dominante.

O cluster Governança-Fragilidade concentra mundos com probabilidades muito altas de colapso. Já o cluster Estrutura-Reputacional tem uma distribuição um pouco mais espalhada, indicando menor propensão imediata ao colapso.

A ausência de controle interno e a fragilidade de governança foram os fatores mais perigosos no sistema. Problemas reputacionais e de precatórios aumentavam o risco, mas de maneira menos aguda do que a má governança.

Impacto Marginal das Intervenções Contrafactuais (ATT)

Simulamos três intervenções hipotéticas:

  • Auditoria externa obrigatória,
  • Proibição de aquisição de precatórios,
  • Intervenção regulatória precoce.

Os impactos marginais estimados foram:


Intervenção.Simulada ATT..Redução.na.Probabilidade.de.Colapso.
Auditoria Externa -22,6 p.p.
Não Aquisição de Precatórios -17,4 p.p.
Ação Reguladora Precoce -13,8 p.p.



Para cada intervenção, a distribuição do quanto a probabilidade de colapso foi reduzida nos mundos simulados.

Auditoria Externa tem o maior impacto: maioria dos mundos reduziu entre 20% e 30% a chance de colapso. Não aquisição de precatórios tem impacto consistente, mas um pouco menor (média de ~17% de redução). Ação reguladora precoce também reduz o risco, mas com menores reduções (~14% em média).

A intervenção de auditoria é a mais poderosa para reduzir o risco de colapso. Mas mesmo dentro de cada intervenção, existe variabilidade: nem todos os mundos responderam da mesma forma. O impacto das ações depende da configuração estrutural de cada universo.

Robustez e Testes de Sensibilidade

Realizamos testes alterando:

  • As distribuições de pesos causais,
  • A ordem de ativação dos nós,
  • As combinações de intervenções simultâneas.

Resultados:

  • A ordem de importância das variáveis críticas se manteve;
  • A taxa de colapso variou apenas marginalmente;
  • A prevalência dos clusters principais foi preservada.



A figura 8 mostra a distribuição da taxa de colapso para cada tipo de prior adotado no modelo.

Beta-like Prior: concentração principal entre 83% e 88% de taxa de colapso. ➔ A curva é alta e simétrica, mostrando uma crença moderadamente alta no risco, mas ainda com alguma variabilidade.

Gaussiana Truncada Prior: distribuição ainda mais concentrada e estreita — colapsos quase todos entre 86% e 90%. ➔ Indica uma expectativa inicial de risco muito elevado e com baixa incerteza.

Uniforme Truncada Prior: a curva é mais larga e espalhada, com concentrações entre 78% e 85%. ➔ Isso mostra que uma crença mais neutra (uniforme) aceita mais variação no risco, mas ainda assim concentra a maioria em altas taxas.

Mesmo com priors diferentes — sejam enviesados ou neutros —, todos apontavam para uma estrutura sistêmica muito frágil. Pequenas diferenças no formato da distribuição, mas nenhum prior evitava o cenário de alta probabilidade de colapso.

A figura 9 mostra a distribuição das taxas de colapso após atualização bayesiana com os dados simulados dos mundos possíveis.

Beta-like Posterior: a curva se torna mais estreita e mais alta, focando entre 83% e 87% de colapso. ➔ Menor variabilidade após ver os dados, reforçando a expectativa inicial de alto risco.

Beta-like Posterior: a curva se torna mais estreita e mais alta, focando entre 83% e 87% de colapso. ➔ Menor variabilidade após ver os dados, reforçando a expectativa inicial de alto risco.

Uniforme Truncada Posterior: o achatamento se reduz, e a maioria das probabilidades se fixa entre 80% e 85%. ➔ Mesmo com uma crença inicial neutra, a evidência empurrou o sistema para um cenário de alta probabilidade de falência.

Os dados observados reforçam e intensificam a percepção de risco: ➔ Priors mais incertos tornaram-se posteriors mais focados, todos em patamares elevados de colapso.

A fragilidade não é uma impressão subjetiva dos priors: ela é confirmada objetivamente pelos dados.

Discussão Integrada: O Banco Master e a Fragilidade Endógena

Os resultados obtidos neste estudo sugerem de maneira consistente que o colapso do Banco Master não foi fruto de um evento exógeno isolado, mas de uma dinâmica estruturalmente endógena.

A análise causal, somada às simulações bayesianas em múltiplos universos possíveis, revela que a falência era, em grande parte, latente dentro da própria configuração institucional do conglomerado.

A fragilidade endógena aqui se manifesta como um acúmulo gradual e interativo de vulnerabilidades:

  • A governança fraca,
  • A exposição agressiva a ativos judiciais (precatórios),
  • A relação tênue com o sistema de fiscalização,
  • E o enfraquecimento reputacional advindo de aquisições problemáticas.

Cada um desses fatores, isoladamente, poderia ter sido manejável. Contudo, a interação cumulativa entre eles — evidenciada nas DAGs causais e nas distribuições de probabilidade simuladas — criou um ecossistema onde o risco não era apenas alto, mas inevitavelmente autorreforçado.

Os gráficos de distribuição das taxas de colapso, tanto sob diferentes priors quanto após a atualização bayesiana (posteriors), reforçam essa conclusão.

Mesmo assumindo diferentes crenças iniciais sobre o ambiente de risco (neutras, enviesadas ou conservadoras), a estrutura causal levou a taxas de colapso persistentemente elevadas, acima de 80% em praticamente todas as simulações.

A posteriorização — ou seja, a atualização com dados — apenas estreitou e confirmou essa tendência, reduzindo a variabilidade, mas mantendo a tendência central de alta fragilidade.

Essa constatação se alinha à literatura sobre instabilidade financeira endógena (Minsky, 1986; Haldane & May, 2011), segundo a qual, em sistemas interdependentes, os riscos mais relevantes são aqueles que se geram e se amplificam internamente, invisíveis até que seja tarde demais para revertê-los.

No caso do Banco Master, a conformidade regulatória formal — expressa nos CADOCs, índices de Basileia, e demais reportes obrigatórios — coexistiu com a deterioração estrutural do modelo de negócios.

A supervisão regulatória, ainda que presente, mostrou-se insuficiente para neutralizar a lógica interna de amplificação de riscos que, como mostrado em minhas simulações, já estava embutida no sistema muito antes dos primeiros sinais públicos de crise.

Importante ressaltar que este estudo não atribui a responsabilidade do colapso à omissão dos reguladores. O regime prudencial brasileiro, alinhado aos acordos de Basileia, oferece diretrizes, mas não substitui as escolhas estratégicas feitas pelas instituições.

A liberdade de empreender no setor bancário, ainda que regulada, implica também a liberdade — e o risco — de tomar decisões ruins. Este é o custo inevitável de preservar a competitividade e a autonomia do setor financeiro.

Assim, a história do Banco Master ilustra com clareza a armadilha da fragilidade endógena: mesmo em um ambiente regulatório formalmente adequado, estruturas internas mal calibradas podem se degradar de forma silenciosa e autossustentada, culminando em falências sistêmicas dificilmente evitáveis sem intervenções corretivas profundas e tempestivas.

Conclusão

O presente estudo propôs uma análise inovadora do colapso do Banco Master por meio da integração de inferência causal estrutural, simulações bayesianas em múltiplos universos possíveis e modelagem probabilística da trajetória de risco.

Ao combinar abordagens quantitativas e qualitativas, fui capaz de capturar não apenas o resultado observado no mundo factual, mas também explorar os inúmeros caminhos contrafactuais que poderiam ter levado a diferentes desfechos.

Os resultados indicam que o colapso do Banco Master foi, majoritariamente, um produto de fragilidade endógena. As simulações demonstraram que, independentemente dos priors adotados para os pesos causais — Beta-like, Gaussiana truncada ou Uniforme truncada —, a taxa de colapso permaneceu elevada em mais de 80% dos universos analisados.

A posteriorização das crenças, longe de reverter essa tendência, apenas a estreitou, revelando que a vulnerabilidade do conglomerado era estrutural, robusta e autossustentada.

A estrutura causal construída evidenciou que fatores como governança frágil, aquisição de ativos judiciais problemáticos, deterioração reputacional e insuficiência de mecanismos de intervenção precoce interagiram de forma cumulativa. Tais elementos não apenas coexistiram, mas se reforçaram mutuamente ao longo do tempo, criando um ambiente propício ao colapso sistêmico.

Importante destacar que, durante o período analisado, o Banco Master manteve a conformidade formal com as exigências regulatórias vigentes: CADOCs, índices de Basileia e demais reportes estavam em dia. Contudo, a observância das normas não foi suficiente para impedir o surgimento de riscos sistêmicos internos.

Esta constatação reforça a noção de que a regulação, por mais avançada que seja, encontra limites naturais diante da liberdade estratégica que as instituições financeiras detêm para definir seus modelos de negócios.

Este trabalho reconhece que a preservação da competitividade e da autonomia empresarial implica aceitar certo grau de risco residual. A função do regulador, portanto, não é eliminar todas as possibilidades de falência — tarefa impossível e indesejável em mercados dinâmicos —, mas construir um arcabouço que minimize externalidades negativas sistêmicas e incentive a formação de estruturas resilientes.

Ao ilustrar como a dinâmica endógena pode gerar colapsos mesmo em ambientes regulados, este estudo contribui para a literatura sobre instabilidade financeira, trazendo à tona a importância de incorporar modelagens causais estruturais e análises contrafactuais probabilísticas nos processos de avaliação de riscos prudenciais. Sugere-se, ainda, que futuras pesquisas explorem:

A aplicação de arquiteturas causais dinâmicas em tempo real, A integração de indicadores de resiliência institucional nos modelos de supervisão, E o aprofundamento da análise da relação entre escolhas estratégicas de risco e o regime de liberdade regulada.

O caso Banco Master serve, assim, não apenas como um exemplo de falência bancária, mas como um microcosmo das limitações, desafios e paradoxos inerentes à gestão de risco em sistemas financeiros modernos.




Apêndice A – Emaranhamento Causal no Modelo de Colapso Bancário

A.1 Introdução ao Emaranhamento

O conceito de emaranhamento causal deriva de analogias com a mecânica quântica, onde diferentes sistemas interagem de modo que seus estados deixam de ser independentes. Em termos causais, o emaranhamento refere-se à interdependência estrutural de variáveis: mudanças em uma variável impactam, direta ou indiretamente, a probabilidade de ocorrência de eventos associados a outras variáveis.

No contexto de colapso bancário, o emaranhamento ocorre quando múltiplos fatores de risco não apenas coexistem, mas influenciam-se mutuamente de tal maneira que aumentam a vulnerabilidade sistêmica de forma não-linear.

A.2 Aplicação no Estudo do Banco Master

No modelo causal construído para o Banco Master, simulei a interação de variáveis como:

  • Fragilidade de Governança,
  • Exposição a Precatórios,
  • Erosão Reputacional,
  • Timing de Intervenção Regulatória.

A análise de emaranhamento foi realizada ao medir correlações estruturais entre os caminhos causais. Especificamente, observou-se como a ativação de um risco (por exemplo, problemas de governança) aumentava significativamente a probabilidade de ativação de outros riscos (como exposição a ativos judiciais e perda de reputação).

Para medir o grau de emaranhamento, simulei 1.000 universos possíveis e calculei o percentual de universos onde colapsos simultâneos de fatores ocorreram.

A.3 Resultados da Análise de Emaranhamento

Resultado principal:

  • Aproximadamente 47% dos mundos simulados apresentaram emaranhamento significativo entre Governança, Precatórios e Reputação, resultando em colapsos simultâneos ou sequenciais rápidos.
  • O gráfico a seguir ilustra a proporção de universos com alto, médio e baixo grau de emaranhamento causal.

A.4 Discussão Crítica

A análise de emaranhamento demonstra que o colapso do Banco Master não deve ser interpretado como uma simples consequência aditiva de riscos isolados.

Pelo contrário, a estrutura interna da organização facilitava a propagação de choques entre domínios distintos — governança, judicialização e reputação — intensificando a fragilidade do sistema.

Este comportamento confirma a teoria da instabilidade endógena:

  • Pequenos distúrbios em um pilar da estrutura causavam rapidamente instabilidades em outros pilares,
  • Elevando a propensão ao colapso de maneira não-linear e autorreforçada.



A proporção dos mundos simulados conforme o nível de emaranhamento causal observado.

47% dos universos apresentaram alto emaranhamento, ou seja, uma forte interdependência entre os fatores de risco, levando a colapsos simultâneos ou fortemente conectados. 32% dos universos apresentaram médio emaranhamento, com interações moderadas entre os fatores de risco, mas ainda visíveis. Apenas 21% dos universos apresentaram baixo emaranhamento, indicando que em poucos casos os riscos se comportaram de maneira isolada.

O modelo revela que o sistema Banco Master possuía uma tendência predominante de propagação interna de choques. A maioria dos universos colapsou não por eventos isolados, mas por reação em cadeia entre os fatores de risco. Isso reforça a interpretação de que o colapso foi resultado de uma fragilidade estrutural endógena, não de falhas individuais desconectadas.


Apêndice B – Jump Diffusion como Metáfora para Risco Sistêmico

B.1 Introdução à Jump Diffusion

O modelo de Jump Diffusion foi originalmente proposto para descrever movimentos de preços financeiros que combinam:

  • Variações contínuas (difusão) como as do movimento browniano, e
  • Saltos súbitos e discretos (jumps) associados a eventos inesperados.

Matematicamente, ele é representado como a combinação de um processo estocástico contínuo normal (Wiener process) com um processo de Poisson que modela os saltos. A ideia é capturar tanto a volatilidade regular quanto choques abruptos que reconfiguram o sistema.

B.2 Adaptação Conceitual para o Estudo do Banco Master

Para o caso do Banco Master, adaptei a ideia de Jump Diffusion como metáfora estrutural para o comportamento do risco de colapso:

  • Difusão contínua: corresponde à deterioração gradual da estrutura interna — governança, reputação, exposição judicial.
  • Saltos: representam eventos discretos e inesperados — como crises reputacionais, inadimplência de precatórios, mudanças abruptas na liquidez de FIDCs.

Assim, o colapso do Banco Master pode ser interpretado não como um processo puramente contínuo ou previsível, mas como a evolução de um sistema com fragilização progressiva, interrompida por eventos críticos que aceleraram a ruptura.

B.3 Resultados Simulados e Interpretação

A partir da simulação dos 1.000 universos paralelos, observei que:

  • Em 68% dos mundos simulados que colapsaram, houve uma aceleração abrupta na sequência causal — equivalente a um salto (“jump”) que rompeu a estabilidade gradual.
  • Em apenas 32% dos mundos, o colapso se deu por deterioração contínua sem saltos relevantes.



A linha cinza tracejada representa uma deterioração contínua e gradual (processo difusivo). A linha vermelha mostra o processo real com saltos (jumps) — momentos em que eventos críticos causam acelerações abruptas no colapso. Os pontos pretos marcam os momentos dos saltos inesperados.

B.4 Implicações para a Análise de Colapso

A presença predominante de “saltos” na dinâmica de colapso sugere que estratégias tradicionais de monitoramento contínuo (difusão) são insuficientes.

Sistemas como o do Banco Master exigem modelos de alerta capazes de detectar sinais precoces de descontinuidade:

  • Mudanças abruptas na percepção de crédito,
  • Quebras de confiança sistêmica,
  • Fluxos atípicos em instrumentos como FIDCs e precatórios.

Essa conclusão reforça a necessidade de incorporar análises de risco não-lineares e descontínuas nos mecanismos de supervisão prudencial, especialmente em conglomerados que operam no limite da tolerância regulatória.



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Costa, Henrique. 2025. “Mil Contrafactuais: O Caso Do Banco Master No Multiverso Do Colapso.” April 20, 2025. https://henriqueqrm.netlify.app/blog/master_bank_study/.